quinta-feira, 21 de maio de 2009

Paris espera

Ele deveria estar feliz já que os trabalhos em Paris foram confirmados na ligação que acabara de receber. A semana de moda daquela cidade era a mais importante de toda Europa, talvez até a mais importante do mundo. E, para um modelo iniciante, ou um "new face" como eram chamados todos os principiantes, era a certeza de uma carreira brilhante pela frente. Mas o mais brilhante que ele podia enxergar era o brilho de tímidas lágrimas que residiam presas em seus olhos azuis refletidos no espelho de seu banheiro.

Não conseguia acreditar como algo que não era seu sonho havia se tornado seu cárcere, se é que prisão alguma o obrigasse a sorrir e parecer feliz tanto quanto aquela o fazia. A carreira de modelo foi algo para ganhar dinheiro e ajudar a família, e de certa forma ainda é. O grande problema é que, ajudar a família implica agora em prejudicar-se. Não como um conhecido seu, que ganhava trabalhos às custas de "generosidades" com o dono da agência, mas prejudicar-se ao esconder todo seu sofrimento atrás de um sorriso perfeito.

Um corpo sem alma, era só isso que ele havia se tornado. Desfiles, mudança de postura, mudança de amigos (por dificuldades em achar tempo), mudança de estilo (um modelo deveria se vestir adequadamente), mudanças... Tantas que achava difícil saber quem era aquele garoto que se divertia nas tardes de sexta jogando bola com os amigos sem se preocupar se estava com a postura certa ou a roupa adequada. As sextas do futebol haviam sido trocadas por fins de semana inteiros em festas na companhia de estranhos, contatos, como um colega costumava dizer. Gente importante demais e interessante de menos. Podia ser difícil aceitar, mas eram aquelas pessoas ocas que estavam mais próximas de serem chamadas de amigos.

Passava as horas que conseguia deitado em sua cama olhando para o teto. Em parte era pela dor dos exercícios físicos puxados para garantir um corpo definido rápido, mas o grande motivo era a vontade de se isolar desse mundo no qual se meteu. Não tinha nem mais vontade de encontrar um amor. Se as mulheres com as quais saía, cresciam os olhos para o modelo, não para quem ele realmente era. Além do mais, era difícil encontrar uma modelo que não gostasse daquele mundo vazio e, quando encontrasse, provavelmente ela teria uma vida tão corrida quanto a dele. Então desistiu. E ficava em casa, deitado, ouvindo música. Recentemente adquiriu gosto por Chopin, que substituiu Vivaldi e suas quatro estações.

Saudades? Tinha sim. Do tempo que era um moleque e era "adequado" ser assim. Do tempo que se divertia e que todos os seus sorrisos eram sinceros, e não armados. Do tempo que um bom churrasco com futebol ouvindo música de velho (para que ninguém desconfiasse que gostava de música clássica) com os amigos. De quando uma garota gostava dele mesmo, e não do mais promissor "new face" da melhor agência do Rio de Janeiro. Do tempo em que podia ser triste sem que ninguém o dissesse para mudar o rosto pois sairia "feio" na foto. Do tempo que podia ser ele mesmo, sem ser apenas um boneco de carne e osso.

Segurando agora uma foto com seus pais, tirada após seu primeiro desfile, ele pensa que ao menos para alguém valeu à pena. Agora sua mãe não precisaria mais trabalhar fora e poderia descansar das responsabilidades da vida. O dinheiro ainda não dava para seu pai largar um dos dois empregos mas, com esse trabalho em Paris, com toda a certeza daria. Ele agora não podia mais chorar, nem sorrir. Não é permitido sentimentos numa passarela.

Terminou de arrumar suas malas e foi para o aeroporto. Lá encontraria os outros modelos que iriam com ele para Paris. No caminho, limpou a última lágrima que derramaria por aquela situação toda. Tirando o seu celular do bolso discou para o último número que discaria antes que tudo acabasse.

-- Alô, mãe?
-- Oi, que bom ouvir sua voz, meu filho!
-- Mãe, eu só tô ligando pra avisar que tô indo pra Paris. Lembra daquele trabalho que eu falei pra senhora?
-- Lembro sim, meu filho. Que bom que você conseguiu! Seu pai vai ficar muito feliz quando souber!
...
-- Pois é, agora tenho que desligar, já cheguei no aeroporto. Beijo, mãe. Tchau!
-- Boa sorte e boa viagem, meu filho, um beijo! E eu tô muito orgulhosa e feliz por você, viu? A Mãe aqui te ama, viu? Vai com deus!

Realmente pensou em terminar tudo e mandar o motorista do táxi mudar de direção (para alguma ponte da onde ele pudesse se jogar, ou estrada, para ele se deitar nela) . Mas só em ouvir a voz de sua mãe e a entonação da felicidade explícitada na voz dela, esqueceu, por agora, tais pensamentos. Paris ainda o esperava, enquanto ele, não podia esperar mais nada daquela vida.

22 comentários:

Natanael Garcia disse...

Olhando a realidade, vida de uma modelo é bem complicada, fora os problemas de anorexia que antes não era muito divulgado.

Mas é o preço que se paga pra estar la, mas esta nessa vida quem quer, e por dinheiro, ja que pelo q eu saiba um ou uma modelo ganha muito bem pra isso.

TATA CRISTINA disse...

Puxa, essa história é bem interessante! Que bom que a mãe dele lhe devolveu o ânimo. Muito boa, mesmo! Tem continuação?
Beijos

o Decompositor disse...

Poise...esta historia me fez refletir sobre a seguinte questão: ate onde é importante esquecermos nosso sonhos para satisfazer pessoas que amamos?acabar com nosso prazeres pra proporcionar alegria ha outros, é valido?
eu não sei....mas fazer o que não se gosta é um sacrificio, o qual eu não desejo passar!


http://debaixodocogumelo.blogspot.com/
FiLoSoFiA SuRReAliSta dE BotEQuIm

Anônimo disse...

Então, é bem triste isso mesmo..
as vezes queremos tanto uma coisa que esquecemos doke nois faz realmente felizes...

=* bejos

obrigada pela visita ,o romantismo é algo que se estende a muitas fronteiras, pode ser visto como paixão ou spo expressão...

mais oww é o amor!! cultive isso faz bem !!

Estêvão dos Anjos disse...

Sei que a intenção do texto foi pegar o lado mais pessoal dessa profissao que geralmente é associada a viagens e usar roupas bonitas, e vc fez isso muito bem trazendo esse drama pessoal. Mas eu busaria por um final mais triste, mostrando, talvez, uma frustração dele ao chegar em Paris e n conseguir avançar nos trabalhos, meio que desmitificando a Paris dos sonhos de todo modelo.

Anônimo disse...

tem continuação?
Bem realista sua visão.Parabéns!

Letícia disse...

Respondendo ao comentario: esses adolescentes de hoje com grana são criados mandando na empregada, no porteiro, no cachorro e até na mae e no pai, acham que mandam em tudo!
Beijos, valeu pelo comentario!
http://www.papeisriscados.blogspot.com

Anônimo disse...

Nossa, eu li o título fiquei empolgada, mas quando eu li o texto completamente diferente do que eu esperava e isso é bom! Você surpreende os leitores e com toda a certeza se você quiser é claro, será um famoso escritor! E terei orgulho de falar que sou sua fã (se é que não já sou) rs
Não venho constantemente pelo tempo neah? "/

Beeeeeijão!!!
Sucesso para ti!

Unknown disse...

Muito bom mesmo , texto bem escrito e analitico .

Thiago Paulo disse...

Muito bom, tão bacana o história, adorei. Pior é que a maioria das pessoas hoje em dia são assim, da casa pro emprego, do emprego para casa... Toda aquela alegria e disposição da juventude e da infância sumiram.

Morro de saudade da época em que não tinha que ter essa responsabilidade que a sociedade nos passa.

Abraço, adorei mesmo, você escreve muito bem!

Eu, Thiago Assis disse...

a velha questao de um vestibulando, "escolher o que dá retorno financeiro ou o que é o sonho da minha vida", mostrado de uma maneira marcante, com todas as desilusoes e sofrimentos de uma escolha equivocada.


www.thiagogaru.blogspot.com

Fábio Flora disse...

Substituir Vivaldi por Chopin pode ser sinal de que as coisas não vão bem, né? Interessante o aproveitamento do desastre com o voo 447! Abraços e sucesso com o blog!

Fábio Flora disse...

Substituir Vivaldi por Chopin pode ser sinal de que as coisas não vão bem, né? Interessante o aproveitamento do desastre com o voo 447! Abraços e sucesso com o blog!

Fábio Flora disse...

Substituir Vivaldi por Chopin pode ser sinal de que as coisas não vão bem, né? Interessante o aproveitamento do desastre com o voo 447! Abraços e sucesso com o blog!

Gabriel Messias disse...

muitas vezes deixamos de lado oque queremos para tentar realizar o sonho de outras pessoas... e esta nesta profissão qem tem vocação mas os problemas existem em todas as areas... abraço ai belo testo

Anônimo disse...

Olha eu sinceramente não sei o que comentar do sentido de vida, parece que nesse caso esse não era o sonho dele, e por isso tudo era tão vazio! Mas eu sou digamos assim bem por dentro desse mundo da moda(digamos assim), e nem todos os modelos são tão vazios, porque tudo aquilo que eles fazem valem a pena não pelo dinheiro ou fama mas por suprir um necessidade interior...ele(os modelos) não são apenas cabides humanos...

Marcus disse...

texto muito legal!

Felix disse...

Quando comecei a ler, pensei que estava contando uma história veridica, pois é assim mesmo que vivem os/as modelos. Por mais que seja o sonha da vida de uma pessoa desfilar em Paris, quando se chega percebem que aquilo era o de menos na vida, que o mais importante seria mesmo a família.

PS: Fique a vontade em "twittar" aquele meu post.

Sucesso procÊ e pro seu blog.
At+

S * disse...

Gostei desse post, você conseguiu criar uma história fictícia que qualquer um acreditaria se dissesse que é real. Tema excelente e post muito bem escrito. Parabéns! Bjs

Eu, Thiago Assis disse...

Eii, eu tô excluindo meu blog antigo, mas espero ainda contar com tua presença, agora no blog novo
www.euthiagoassis.blogspot.com

=]

*Teta de Nêga* disse...

Gostei mto!!!

Itauã disse...

otio conto cara xD