quinta-feira, 9 de julho de 2009

O andarilho

[Esse foi um dos trabalhos que eu produzi para a faculdade no período em que estive ausente(realmente precisei, por vários motivos). Espero que gostem]

O Andarilho


Ele agora contemplava sozinho o nascer do Sol das areias da praia de Copacabana. Figura que muito poderia ser confundida com um andarilho mendigante - exceto pelos trajes - mas que não era nada mais do que um admirador da vida, e de todas as faces que ela, impassivamente, consegue mostrar.

Seus pés o trouxeram ali após a caminhada pelas ruas do Rio de Janeiro durante a noite. Havia saído de seu apartamento com o único desejo de sair do ócio, para o ócio. Uma simples vontade de sair, sem pensar no quê pensar, e apenas aproveitar não pensar, ou pensar em nada, ou apenas aproveitar. Que entendam tal atidude aqueles que reconhecem o prazer contido no flâneur.

Deve ser dito, entretanto, que tal ímpeto fora deveras cingido de coragem ou sandice pois, as Ruas do Rio de Janeiro não são as mesmas de uma bélle-epoque tão distante e distinta. E só aos corajosos ou aos loucos, cabe o mérito de aventurar-se em tais lugares. Bentido sejam os loucos, pois os corajosos não o sabem aproveitar.

O fato era que saiu. E ao andar, divagava como amava aquele pedaço de inferno e de paraíso. As ruas escuras e sujas por onde tantos passam indiferentemente ganhavam significado sob a luz do luar, contando-lhe histórias reveladas sob cada traço de lixo deixado no chão. Os bares, onde ainda se encontravam bêbados felizes apenas por estarem bêbados, que a realidade era triste e opressora demais para suportar. E os donos de bares, que, mesmo ao lidar com embriagdos, ainda sentiam-se apiedados ao recusar-lhes mais do néctar da lucidez, temendo causar-lhes mal, ou vê-los padecer ou desmaiar em suas portas. E as mulheres, as damas - ou aparentemente damas - que vislumbrava pelo caminho. Cada uma, em seus corpos torneados e quase desnudos que traziam um convite indiscreto, e um preço a combinar. Tais moças, fariam Baudelaire sangrar as mãos de tantas passantes que pudera descrever.

Há de se perceber que moças como as tais somente circulam pela noite pois é na noite que têm sua vida. Mesmo que esta vida lhes seja seu tormento. Coisa que elas, a um simples passante - e provável cliente - nunca iriam-lhe revelar, nem com palavras, nem com qualquer expressão. Mas ele continuava a caminhar.

Achou-se andando sem rumo pelas praças e construções antigas. Colossos de um passado belo e observadores de uma mudança avassaladora. O Rio já não era o mesmo Rio. O verde era tomado pelo cinza, a calmaria pelo tumulto e a amistosidade pelo medo. Entretanto, à noite, aquela mesma transformação podia ser vista ao contrário. Onde os prédios se apagam e o brilho do luar incide sobre as árvores remanescentes, onde o tumulto das multidões é aquietado pelo silêncio do sono e o medo desaparece ante à amistosa embriagez dos cambaleantes que ainda ocupam as ruas. Deu-se conta de aquela cidade seria sempre dúbea, por mais que desatentos não pudessem notar.

Por fim, encontrou-se admirando a orla e os prédios que fixavam-se lá. Sentado no chão de areia da praia. Pensava - e agora sentia o prazer em pensar, depois da inspiração provocada pelo ócio - em como aquela cidade havia sido várias e ao mesmo tempo mantinha-se uma. Unicamente maravilhosa, com seus habitantes, noturnos ou diurnos, e com aqueles que não se permitem revelar. Aos poucos, sentiu a brisa da aurora enquanto o astro-rei ensaiava seus passos por sobre o mar. Sentado ali estava, ao lado de uma palmeira, onde um dia um sabiá pôs-se a cantar.

8 comentários:

Luciano Silvestre disse...

Excelente texto! Parabéns pelo blog, muito bom mesmo!

Se puder, faça-nos uma visita:
www.aartederefletir.blogspot.com

Eu, Thiago Assis disse...

A palavra "andarilho" já me remete aos livros da saga "O vendedor de sonhos" (romances de Augusto Cury), da qual estou lendo o 2º livro ^^

Realmente corajoso o teu andarilho, ou realmente louco.
Melhor... talvez seja apenas um sábio, tal qual o personagem da saga q citei.

Bem filosofico o teu post. gostei muito.

Ah, e não precisa se desculpar pelo q falou nao, pode falr o q quiser. o/


www.euthiagoassis.blogspot.com

Marton Olympio disse...

é como ase a noite emcobrisse tudo e deixa-se a paisagem de hoje igual a de ontem.
cara, acho que vc escreve muito bem.
bem mesmo.
mas acho tb que poderia ousar mais na forma.
Sua escrita muitas vezes tem um que de pintura, só que fica dificil para entender coisas do tipo: "poderia ser confundida com um andarilho mendigante - exceto pelos trajes "... Peraí, é justamente o traje o ponto dorte de mendigos.
Como é seu personagem?

abraços!

Luis Sapir disse...

Uma descrição detalhística da cidade do Rio de Janeiro. Sua construção literária está riquíssima!

Passagens de um Rio maravilhoso flutuando até uma cidade em decadência de sujeira embriagada de pessoas e prostitutas.

Parabens!

Unknown disse...

Cara, muito bom seu texto. Descrições sem cansaços.
Aliás, o Rio não cansa!
Abraços

Ananda V. Sgrancio disse...

Jornalismo?

Seja lá o que for está de Parabens!

O ínicio do último paragrafo me levou a lembrar de uma música, mas não sei o nome dela. rs


http://opniaoinutil.blogspot.com/

F disse...

Escreveu bem, pelo visto escreve pela experiencia, eu mesmo já tive momentos assim, de sair sem saber para onde ou por que, apenas querendo ir do ocio ao ocio.

Vini e Carol disse...

Adorei o texto, nunca estive no Rio mas suponha que você tenha passado uma imagem bem fiel.

Beijos, Carol