quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Novo ninho

A chuva ainda caía forte, como era de costume nas tardes de verão do Rio de Janeiro, enquanto ele assistia a tudo da janela do seu novo apartamento. Carros passando com dificuldade, pessoas paradas em marquises ou em pontos de ônibus com alguma cobertura, pombos e outras -raras- aves escondendo-se em árvores ou cantos cobertos para se abrigar da chuva, todos esperando aquela tempestade passar.

E pensar que há tão pouco tempo aquela era a vista de sua nova casa. E que, há mais tempo ainda, nem sequer sonhava em mudar-se de seu antigo lar. E agora, observando a chuva, divagava sobre a mudança repentina e forçada em sua vida. E, em momento algum se arrependera de suas escolhas, por mais que tivesse pouco a escolher.

E antes de conseguir um lugar ele sofreu. Sua antiga casa, que antes era um lar, parecia-se mais como um purgatório. Onde todos os seus pecados -ou o que quer que a sociedade condene como pecado- eram expostos e relembrados. E, mesmo que ele não pudesse sentir culpa por nenhum deles, ainda assim sofria por sua natureza. Simplesmente pagava por seguir sua natureza, que não diferia da de qualquer pessoa normal, mas ainda assim diferia do que era padrão e do que era esperado e, por isso, era julgada como condenável. Mas ele esperou.

Ainda não era hora de mudar, ainda não era hora de sair. Sabia que, qualquer atitude impensada e impulsiva teria suas consequências, mais ruins do que boas. Precisava aguentar todas essas condenações por algum tempo, ao menos o tempo necessário para que sua metamorfose fosse completa, aí então poderia alçar seu vôo livre e procurar seu lugar.

Não sozinho, pois assim nunca esteve. Sempre com amigos -que não o condenavam, mas o amavam essencialmente pelo que era- que eram sua verdadeira família. Pois, mais do que uma ligação sanguínea, uma família é escolhida por laços de alma e de coração. Estes sim, mais valiosos do que qualquer sangue, azul ou vermelho, que possa existir. E era essa família que lhe dera asas para poder voar.

E, assim, ele pôde se libertar. Morrer para o antigo casulo de sofrimento, recriminação e dor e procurar seu ninho, um lugar seguro onde podia ser quem realmente quem ele era. E agora lá estava ele, seco, são, salvo e liberto. A contemplar a tempestade que começava na cidade lá fora.

Enquanto a tempestade de sua vida, seguramente, já havia passado.

16 comentários:

LuEs disse...

Gostei do seu texto. Achei bastante expressivo no que se refere à tangibilidade emocional do personagemd escrito. Não sei exatamente, mas tive uma sensação de que houve bastante do autor nesse texto, um sentimento que não está apenas no personagem, mas também em quem o criou. Um pouco autobiográfico, talvez?
Outro ponto positivo é o fato de haver subjetividade suficiente. É revelado um pouco, mas grande parte fica encoberta, cabendo ao leitor descobrir qual é a natureza do personagem, quais motivos tornam sua natureza condenável. Muitas possibilidades passaram pela minha cabeça, mas nem vou tentar descrevê-las aqui tampouco ficarei tentando adivinhá-las.

Gostei do seu texto, como disse acima. Parabéns.

Patrycia disse...

Toda mudança é incômoda. Toda elas traz medo. Mas definitivamente, ela é sempre essencial.

Tudo vale a pena, quando temos a certeza de que estamos fazendo a coisa certa. Por mais sofrido que seja...

Patrycia
http://acendedordelampadas.blogspot.com

flor de liz disse...

Concordo com tudo que a 'Patrycia' disse. Ela tirou as palavras da minha boca!
Parabéns pelo blog, você se expressa muito bem!
Beijos e sempre que der, voltarei aqui!

kris disse...

Gostei da forma como vc se expressou em seu texto, gostaria de poder me expressar assim, mas qd eu sento pra escrever não sai nada, e minha cabeça tá cheia de coisas e não consigo.
Parabéns!
Sucesso...
Abçs

'Binho disse...

Toda mudança gera um desconforto no início,mas que, com o tempo há a possibilidade de se acostumar com a situação,ou caso contrário haverá uma revolta juntamente com a vontade de fazer a diferença

O Cadáver Poético disse...

gostei mesmo
profunda inadagação metódiaca
muito bom
to seguindo segue eu tabém

Daniel A. S. disse...

A vida é assim, dinámica, a única certeza da vida são as mudanças, e isso é muito bom, imagina se sempre ficassemos na mesma por décadas, seria muito chato.

http://daniel.a.s.zip.net

Pobre esponja disse...

Belo.
Soube levar bem. Português correto.
Gostei do contraste de alguém está feliz, apesar da tempestade natural, pois trata-se de um analogia entre essa e a interior.

abç
Pobre Esponja

flor de liz disse...

Eu li e tive de reler.
Muito legal esse seu texto!
Beeijos :*

Mattheus Rocha disse...

É necessário coragem para as mudanças.

Jân Bispo disse...

Cativante, escrever exige tanto, narrar ainda mais, gotei da form como você desenhou o final, a verdadeé que existem familia e familia cada uma com sua particularidade algumas dão asas, outras podam, e sim toda mudança seja ela externa ou interna é complexa, dificil, mas seu personagem mostra que é sempre possivel passar pelas tempestades aquelas que atigem o coração a mente, aquelas que nos desconcentra e nos fazem pensar em desistir, fica mais fácil ainda quando se tem pessoas queridas para ajudar! belissimo texto parabéns!

Luiz Scalercio disse...

bellissimo texto
muito bem escrito
prbns.

Fernanda Freitas disse...

Quem me dera saber escrever como você. Tive a impressão que tem bastante de ti nesse texto. LINDÍSSIMO!MARAVILHOSO!

Anônimo disse...

Belissimo texto.
amei mesmo;D
parabenns

BrunaMia disse...

Olha eu de novo aqui! gostei do texto!
Bjss

Eu, Thiago Assis disse...

chuva, reflexão, nostalgia...
ingredientes que, na medida certa, sempre dão bons textos como esse teu
o/