Paredes têm ouvidos, mas não podem falar. E aquelas paredes já haviam escutado tantas conversas que até conseguiam prever o que seria dito pelos habitantes daquele bar da Zona Sul. Um típico bar, de uma típica esquina, com uma típica clientela, um típico atendimento e uma típica atmosfera. Mas todos os tipicismos daquele bar foram por terra quando aquele demônio em vermelho pôs seus pés naquele lugar.
Era como se tudo parasse naquele mesmo instante, só para receber aquela visitante inesperada. Movimentando-se graciosamente como uma raposa, ela dirigia-se ao balcão, pedira a bebida mais forte que reconhecera e ficara ali, a observar o lugar que acabara de entrar. Por seu sorriso diabolicamente malicioso, era notório que ela havia percebido que todos, sem a menor exceção, estavam olhando admirados para ela.
Pele convidativamente clara, olhos da cor do mogno e cabelos enegrecidos como a noite. Podia-se dizer que era alta, mas não exageradamente, e as curvas divina ou diabolicamente esculpidas de seu corpo a tornava tão proporcional como mulher alguma poderia ser. Seus lábios vermelhos arqueavam num sorriso tentador, como em um desafio mudo a qualquer um a tomar aqueles lábios e aquele corpo. A figura de um demônio, daqueles que não só conduzem ao inferno, mas também faz seu prisioneiro gostar da idéia.
Tomou seu drinque em um só gole, e esperou o primeiro a se oferecer para pagar. Observou o homem que levantara de sua cadeira para tal e assentiu com um aceno . Antes que ele pudesse falar algo ela já o havia puxado para si e o devorava em um beijo selvagem, lascivo e deliciosamente pecaminoso.
Passava suas mãos pelo corpo do rapaz enquanto espectadores consternados nem ao menos tentavam sair do transe que tal cena causava. Intercalava os beijos com leves mordidas no lábio dele, ou no lóbulo de sua orelha, garagalhando maliciosa e lascivamente com os gemidos causados por isso. Ela se divertia com seu novo brinquedo, sua nova presa.
Puxou-o para o único banheiro do bar e fechou a porta. Apenas os gemidos de uma predadora divertindo-se com sua caça podiam ser ouvidos.
Saiu de lá impecavelmente intacta, como se nada tivesse acontecido enquanto deixava um homem completamente devastado à porta do banheiro. Ainda com um sorriso em seus lábios, andou rumo à saída do bar enquanto percebia que todos ainda continuavam embasbacados, o que a fez aumentar levemente o seu sorriso. Saiu dali, e aquele bar nunca sentiu-se tão vazio quanto àquela vez.
O homem saiu em seguida, incomodado com olhares interrogadores. E as únicas testemunhas do ápice da diversão daquele demônio em vermelho que ainda remanesciam naquele lugar eram as paredes de um banheiro de bar.
Paredes têm ouvidos, mas, infelizmente, não podem falar.
quarta-feira, 29 de julho de 2009
quinta-feira, 9 de julho de 2009
O andarilho
[Esse foi um dos trabalhos que eu produzi para a faculdade no período em que estive ausente(realmente precisei, por vários motivos). Espero que gostem]
O Andarilho
Ele agora contemplava sozinho o nascer do Sol das areias da praia de Copacabana. Figura que muito poderia ser confundida com um andarilho mendigante - exceto pelos trajes - mas que não era nada mais do que um admirador da vida, e de todas as faces que ela, impassivamente, consegue mostrar.
Seus pés o trouxeram ali após a caminhada pelas ruas do Rio de Janeiro durante a noite. Havia saído de seu apartamento com o único desejo de sair do ócio, para o ócio. Uma simples vontade de sair, sem pensar no quê pensar, e apenas aproveitar não pensar, ou pensar em nada, ou apenas aproveitar. Que entendam tal atidude aqueles que reconhecem o prazer contido no flâneur.
Deve ser dito, entretanto, que tal ímpeto fora deveras cingido de coragem ou sandice pois, as Ruas do Rio de Janeiro não são as mesmas de uma bélle-epoque tão distante e distinta. E só aos corajosos ou aos loucos, cabe o mérito de aventurar-se em tais lugares. Bentido sejam os loucos, pois os corajosos não o sabem aproveitar.
O fato era que saiu. E ao andar, divagava como amava aquele pedaço de inferno e de paraíso. As ruas escuras e sujas por onde tantos passam indiferentemente ganhavam significado sob a luz do luar, contando-lhe histórias reveladas sob cada traço de lixo deixado no chão. Os bares, onde ainda se encontravam bêbados felizes apenas por estarem bêbados, que a realidade era triste e opressora demais para suportar. E os donos de bares, que, mesmo ao lidar com embriagdos, ainda sentiam-se apiedados ao recusar-lhes mais do néctar da lucidez, temendo causar-lhes mal, ou vê-los padecer ou desmaiar em suas portas. E as mulheres, as damas - ou aparentemente damas - que vislumbrava pelo caminho. Cada uma, em seus corpos torneados e quase desnudos que traziam um convite indiscreto, e um preço a combinar. Tais moças, fariam Baudelaire sangrar as mãos de tantas passantes que pudera descrever.
Há de se perceber que moças como as tais somente circulam pela noite pois é na noite que têm sua vida. Mesmo que esta vida lhes seja seu tormento. Coisa que elas, a um simples passante - e provável cliente - nunca iriam-lhe revelar, nem com palavras, nem com qualquer expressão. Mas ele continuava a caminhar.
Achou-se andando sem rumo pelas praças e construções antigas. Colossos de um passado belo e observadores de uma mudança avassaladora. O Rio já não era o mesmo Rio. O verde era tomado pelo cinza, a calmaria pelo tumulto e a amistosidade pelo medo. Entretanto, à noite, aquela mesma transformação podia ser vista ao contrário. Onde os prédios se apagam e o brilho do luar incide sobre as árvores remanescentes, onde o tumulto das multidões é aquietado pelo silêncio do sono e o medo desaparece ante à amistosa embriagez dos cambaleantes que ainda ocupam as ruas. Deu-se conta de aquela cidade seria sempre dúbea, por mais que desatentos não pudessem notar.
Por fim, encontrou-se admirando a orla e os prédios que fixavam-se lá. Sentado no chão de areia da praia. Pensava - e agora sentia o prazer em pensar, depois da inspiração provocada pelo ócio - em como aquela cidade havia sido várias e ao mesmo tempo mantinha-se uma. Unicamente maravilhosa, com seus habitantes, noturnos ou diurnos, e com aqueles que não se permitem revelar. Aos poucos, sentiu a brisa da aurora enquanto o astro-rei ensaiava seus passos por sobre o mar. Sentado ali estava, ao lado de uma palmeira, onde um dia um sabiá pôs-se a cantar.
O Andarilho
Ele agora contemplava sozinho o nascer do Sol das areias da praia de Copacabana. Figura que muito poderia ser confundida com um andarilho mendigante - exceto pelos trajes - mas que não era nada mais do que um admirador da vida, e de todas as faces que ela, impassivamente, consegue mostrar.
Seus pés o trouxeram ali após a caminhada pelas ruas do Rio de Janeiro durante a noite. Havia saído de seu apartamento com o único desejo de sair do ócio, para o ócio. Uma simples vontade de sair, sem pensar no quê pensar, e apenas aproveitar não pensar, ou pensar em nada, ou apenas aproveitar. Que entendam tal atidude aqueles que reconhecem o prazer contido no flâneur.
Deve ser dito, entretanto, que tal ímpeto fora deveras cingido de coragem ou sandice pois, as Ruas do Rio de Janeiro não são as mesmas de uma bélle-epoque tão distante e distinta. E só aos corajosos ou aos loucos, cabe o mérito de aventurar-se em tais lugares. Bentido sejam os loucos, pois os corajosos não o sabem aproveitar.
O fato era que saiu. E ao andar, divagava como amava aquele pedaço de inferno e de paraíso. As ruas escuras e sujas por onde tantos passam indiferentemente ganhavam significado sob a luz do luar, contando-lhe histórias reveladas sob cada traço de lixo deixado no chão. Os bares, onde ainda se encontravam bêbados felizes apenas por estarem bêbados, que a realidade era triste e opressora demais para suportar. E os donos de bares, que, mesmo ao lidar com embriagdos, ainda sentiam-se apiedados ao recusar-lhes mais do néctar da lucidez, temendo causar-lhes mal, ou vê-los padecer ou desmaiar em suas portas. E as mulheres, as damas - ou aparentemente damas - que vislumbrava pelo caminho. Cada uma, em seus corpos torneados e quase desnudos que traziam um convite indiscreto, e um preço a combinar. Tais moças, fariam Baudelaire sangrar as mãos de tantas passantes que pudera descrever.
Há de se perceber que moças como as tais somente circulam pela noite pois é na noite que têm sua vida. Mesmo que esta vida lhes seja seu tormento. Coisa que elas, a um simples passante - e provável cliente - nunca iriam-lhe revelar, nem com palavras, nem com qualquer expressão. Mas ele continuava a caminhar.
Achou-se andando sem rumo pelas praças e construções antigas. Colossos de um passado belo e observadores de uma mudança avassaladora. O Rio já não era o mesmo Rio. O verde era tomado pelo cinza, a calmaria pelo tumulto e a amistosidade pelo medo. Entretanto, à noite, aquela mesma transformação podia ser vista ao contrário. Onde os prédios se apagam e o brilho do luar incide sobre as árvores remanescentes, onde o tumulto das multidões é aquietado pelo silêncio do sono e o medo desaparece ante à amistosa embriagez dos cambaleantes que ainda ocupam as ruas. Deu-se conta de aquela cidade seria sempre dúbea, por mais que desatentos não pudessem notar.
Por fim, encontrou-se admirando a orla e os prédios que fixavam-se lá. Sentado no chão de areia da praia. Pensava - e agora sentia o prazer em pensar, depois da inspiração provocada pelo ócio - em como aquela cidade havia sido várias e ao mesmo tempo mantinha-se uma. Unicamente maravilhosa, com seus habitantes, noturnos ou diurnos, e com aqueles que não se permitem revelar. Aos poucos, sentiu a brisa da aurora enquanto o astro-rei ensaiava seus passos por sobre o mar. Sentado ali estava, ao lado de uma palmeira, onde um dia um sabiá pôs-se a cantar.
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